OLIVER TWIST DE CHARLES DICKENS
A INFÂNCIA ESPOLIADA E A LUZ QUE RESISTE NO BREU DA NOITE.
Há livros que não se leem com os olhos, mas com as cicatrizes. Oliver Twist, é um desses. Ou seja uma travessia pela infância desfigurada. Um mergulho nos becos úmidos de uma Londres onde o afeto custa caro e a miséria, ela, usa cartola. E, no entanto, ou talvez por isso é uma história que me atravessou como um espelho quebrado. Cada fragmento refletia um canto esquecido da minha própria infância, da minha sede por justiça, por ternura e por um lugar seguro no mundo.
FOTO INTERNET I CENA DO FILME OLIVER TWIST
Oliver é mais do que um personagem, ele é o símbolo nu e ferido de todas as vezes em que fomos recusados, empurrados para fora da mesa, obrigados a pedir “mais” quando a alma só queria um abrigo. A pureza dele não é tola, ela é resistência. É como se Dickens dissesse, entrelinhas:
“Mesmo quando tudo te é negado, não permitas que o mundo te transforme em pedra”.
FOTO INTERNET I CENA DO FILME OLIVER TWIST
Ler esse livro foi como reencontrar a criança que sobreviveu em mim apesar de tudo. Não porque ela foi protegida, mas porque, como Oliver, teve dentro de si uma centelha que nem a indiferença, nem a fome, nem os maus-tratos conseguiram apagar.
FOTO REPRODUÇÃO I LIVRO OLIVER TWIST - CHARLES DICKENS
E aí, inevitavelmente, fiz através essa leitura um desvio ou quem sabe um retorno ao meu país. Ao Brasil de ruas quentes e de corações frios. Ao menino que vende bala no sinal na indiferença dos carros fecham os vidros. À essa criança de olhar envelhecido que aprende muito cedo que chorar não enche a barriga. Ao silêncio daqueles que crescem ouvindo que “ninguém liga”. Oliver, perdido nas ruas de Londres, era como um desses meninos que vi e ouvi tantas vezes nas esquinas brasileiras, esquecido pelos políticos, invisível nas estatísticas, salvo, quando salvo por um fio de esperança improvável. Ainda mais do que nunca, ao ler Dickens, me dei conta de que e existencial. Crianças que crescem sem escuta, sem afeto, sem referência. Que não pedem “mais” por comida apenas, e sim por “mais” presença, por mais cuidado e por mais sentimento.
Dickens, com seu olhar tanto social quanto poético, me lembrou Victor Hugo, um outro arquiteto da empatia. Assim como Cosette em « Os Miseráveis », Oliver é uma criança que sangra com dignidade. Mas há algo em Dickens que é ainda mais ácido, ele nos mostra como o sistema fabrica próprios monstros e, depois, se espanta quando eles saem às ruas. Há também na sua escritura ecos de Dostoïevski, especialmente na maneira como a bondade, em meio toda essa lama, aparece como uma fagulha sagrada.
FOTO INTERNET I CHARLES DICKENS
Mas Dickens é mais inglês no seu sarcasmo, mais direto no seu punho contra a hipocrisia das “instituições de caridade” e a falsa moral vitoriana.
Ler « Oliver Twist » hoje é lembrar de um tempo que ainda não passou. Porque ainda há crianças sendo mal tratadas na nossa sociedade. E que, às vezes, precisamos lembrar que a delicadeza é uma forma de coragem e de amor.
Este livro me tocou como um hino silencioso. Foi como reencontrar o menino, em mim, que um dia chorou sozinho no escuro e dizer a ele: “Olhe para onde você está hoje e como você resistiu.”
E então, que parte de você ainda pede por “mais” não por comida, mas por dignidade, por ternura e por pertencimento?
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